Novo IACS e a tônica de abandono do MEC
Yana Flávia e Luís Felipe Granado
Ausência de projeto para educação resulta em obras descontinuadas, prejuízo ao erário e defasagem no ensino superior público

A universidade pública no Brasil luta para se manter de pé, seja no sentido literal ou figurado. Desvalorização, corte de verbas e projetos inacabados, abandonados ou descontinuados são a tônica de um país sem projeto claro para a Educação. O (des)caso envolvendo o Instituto de Arte e Comunicação Social (IACS), da Universidade Federal Fluminense (UFF), ilustra como a falta de compromisso com o ensino superior no país desperdiça, frustra e desalenta.
O IACS tem como berço um casarão rosado na Rua Prof. Lara Vilela, 126, em Niterói. A construção data de 1926 e passou a abrigar os cursos de comunicação e artes da UFF em 1960. Quase cem anos depois, os alunos devem receber, no início de 2023, um prédio novo para chamar de seu, no bairro do Gragoatá, polo principal da Universidade.
O projeto foi concebido em 1985, em parceira com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), mas interrompido devido à moratória da dívida externa de 1987. A ideia foi esquecida até que a pedra fundamental do 'Novo IACS' fosse instalada em novembro de 2008, mas só em 16 de abril de 2010, deu-se início a obra que deveria erguer 15 blocos com orçamento de R$ 17 milhões (R$ 35.231,78 corrigidos pelo IPCA), empenhados pelo MEC. (Veja abaixo)

Em 2008, a UFF emitiu uma nota em que classificava como "indesejável" a fragmentação espacial existente por conta da não conclusão de um prédio que unificasse os cursos. Além disso, citava prejuízos acadêmicos, administrativos e uma "frustração" com os gestores que não honravam o compromisso de levar o IACS para o Gragoatá, estabelecido pelo Conselho Universitário como prioridade em 1985.
A previsão de conclusão para a obra de 2010 era de 12 meses, mas o projeto foi abandonado na fase de "infraestrutura básica", segundo a Chefia de Gabinete da UFF, e não avançou por oito anos, até ser concedido à Prefeitura da cidade em 2019, junto com o prédio do antigo Cinema Icaraí. 37 anos depois da concepção da ideia. o valor contratado em Edital da Prefeitura, foi R$ 27.727.555,43.
Diretor de cultura do DCE (Diretório Central dos Estudantes), Luga era o coordenador geral do diretório quando o acordo com o então prefeito Rodrigo Neves (PDT) foi selado. Integrante da reunião que fechou o negócio, ele atribui a conclusão da obra a uma vitória da luta estudantil.
"Essa reforma surgiu através da política e por conta dos estudantes. Tem 40 anos que pedimos o novo IACS e nada. Começou em 2010 e não ficava pronto, nós precisávamos resolver isso. Estávamos buscando na Prefeitura a reforma do DCE também. Conseguimos falar com Rodrigo [Neves], e chamamos duas vereadoras, a Verônica Lima e a Walkiria Nichteroy, egressa da UFF, e marcamos a reunião. Foi aí que firmaram o pacto. O reitor apresentou a proposta e a Prefeitura gostou. 'Deu' 2 semanas, começou a obra e agora só falta acabamento", conta.
Reuni viabilizou o debate
Um sopro de esperança surgiu em 2007, quando a UFF aderiu ao Reuni (Reestruturação e Expansão das Universidades Federais). A ideia do programa, com metas até 2012, era a "Expansão de Vagas e a Melhoria Qualitativa dos Cursos, refletindo o propósito da Universidade de cumprir seu papel social na formação de recursos humanos qualificados". Para o Campus de Niterói, eram necessárias "novas edificações, reformas, mobiliário, equipamentos e acervos bibliográficos", e, especificamente para o IACS, estava proposto o financiamento do novo campus. Tudo para atingir a meta do Reuni de dobrar o número de alunos na graduação.
Um relatório da CGU (Controladoria Geral da União) com intuito de analisar 88 obras do Reuni entre 2009 e 2014, mostra que, apesar da boa intenção de expandir o número de vagas, a falta de planejamento resultou em mau uso dos recursos. Até 2016, ao todo, foram R$ 2,2 bilhões destinados à construção de prédios, laboratórios, quadras esportivas, bandejões ou salas de aula que ainda não estavam prontos ou foram simplesmente abandonados pelo Brasil.
Na UFF, o órgão cita "fragilidade do planejamento orçamentário-financeiro" que culminou em obras paralisadas com gastos realizados de R$ 49,6 milhões, além de R$ 11,2 milhões despendidos em "imóvel sem utilização".
As obras em questão eram a implantação do Espaço Cultural Multiuso, no Cinema de Icaraí, e a construção dos novos prédios para o Instituto Química e para a Faculdade de Farmácia. Nos três casos, não havia previsão de recursos suficientes para garantir as obrigações contratuais assumidas pela Universidade e, no caso das duas construçõa, "o objeto contratado foi significativamente maior e mais oneroso que o estabelecido no Acordo de Metas n°. 44, firmado entre a UFF e o MEC em 11 de março de 2008 para o período de 2007 a 2012", aponta o documento.
Quanto ao gasto de R$ 11,2 milhões para aquisição do antigo Cinema Icaraí, realizada com objetivo de criar um Espaço Cultural Multiuso para a UFF, a CGU diz que "o exame do processo revelou a inexistência de prévia avaliação dos investimentos necessários para adequar as instalações ao funcionamento do espaço cultural e, por falta de recursos, as antigas instalações não foram reformadas, permanecendo sem uso e em estado de deterioração incompatível com qualquer aproveitamento atualmente."
Além da despesa de R$ 10.600.000,00 para aquisição do imóvel, foram gastos mais R$ 675.733,73 em uma primeira fase da etapa de projetos, totalizando investimento de R$ 11.275.733,73 (R$ 20.889.141,01 corrigidos pelo IPCA). Passados sete anos desde a aquisição do espaço, constatou-se sua falta de utilização, além do estado precário e insalubre.
O Cinema Icaraí entrou na negociação do novo IACS com a Prefeitura Municipal de Niterói e será cedido por um período de quarenta anos à administração do município. Em contrapartida, a Prefeitura se comprometeu a finalizar a reforma do novo IACS.

Dos 19 novos prédios que seriam custeados com recursos do Reuni, seis ainda se encontravam no "esqueleto" até aquela data (2016): o de Medicina, no Hospital Universitário Antonio Pedro (concluído, mas até hoje sofre com falta de recursos); o de Campos, no Norte Fluminense (inaugurado em 2022); o de Biologia (concluído durante a pandemia de Covid-19, em 2021) e o Instituto de Arte e Comunicação Social (IACS), no Gragoatá; o de Farmácia e o de Química, na Praia Vermelha, esses dois últimos citados pela CGU.
Entre 2011 e 2015 a UFF recebeu R$ 343,6 milhões, sendo R$ 176 milhões do Reuni, desse montante, 92% foram para investimentos e aplicadas em construção e reforma de prédios, enquanto o restante foi para a compra de equipamentos, aquisição de imóveis e contratação de serviços.
A Lei de Responsabilidade Fiscal prevê que transferências de verbas federais devem priorizar recursos para concluir obras iniciadas, e não para novos projetos, com objetivo de promover a funcionalidade da infraestrutura já instalada.
A análise fria dos números mostra que a UFF teve êxito na ampliação de vagas. Entre 2011 e 2015, o número de matriculados subiu de 33.771 para 46.939, crescimento de 39%. Atualmente são 45.244 alunos matriculados. A estagnação no número de vagas nos últimos sete anos demonstra o abandono de uma política expansionista para a Educação, mas não por falta de público alvo.
De acordo com dados do Instituto Semesp (Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior No Estado de Sao Paulo), na 11ª edição do Mapa do Ensino Superior no Brasil, apenas 18,1% dos jovens de 18 a 24 anos estão matriculados no ensino superior e somente 17,4% das pessoas de 25 anos ou mais concluíram um curso. Em 2022, o número de matrículas das universidades federais caiu pela primeira vez desde 1990.
Carla Baiense, diretora do IACS, diz que o instituto foi um dos que mais ampliou o número de vagas dentro da UFF durante o Reuni.
"O Reuni, na verdade, ofereceu as condições para a gente retomar esse assunto [do novo IACS] e pleitear a construção. A contrapartida dessa ampliação seria a execução da obra do campus novo, porque a gente imaginava que essa expansão não caberia dentro desse espaço físico, como de fato não cabe."
A retirada substancial de verbas da Educação, porém, deixou um legado de obras inacabadas ou com estrutura comprometida.
"O que aconteceu foi que essa obra foi iniciada, e aí a gente tem uma série de questões que levaram à interrupção da obra. Não havia dinheiro para a conclusão e o que a gente observava é que corria o risco da gente perder esses prédios, porque começa a ter problemas de deterioração, né. Essas estruturas inacabadas acabam sendo inócuas, porque ela não vai servir para mais nada", completa.
Novo IACS durante as ocupações estudantis de 2016 (Reprodução Twitter/Clara Chroma/Luiz Fernando Nabuco)
O engenheiro-civil Carlos Petribú, da Superintendência de Arquitetura, Engenharia e Patrimônio (SAEP), responsável da UFF por acompanhar a obra, diz que pessoas entraram no prédio enquanto a obra estava paralisada, mas o dano principal foi causado por intemperismo.
Teto de gastos inviabiliza até o debate
Situação do novo IACS em 2020 (Reprodução)
No dia 3 de junho, o quinto ministro da Educação do governo Bolsonaro, Victor Godoy, comemorou em publicação no Twitter que o corte na verba destinada às universidades federais seria de 7,2%, e não mais de 14,5% como informado em documento anterior. Com isso, o bloqueio em 2022 passaria a ser de R$1,6 bilhões, ante os R$ 3,2 bilhões anunciados anteriormente. Godoy atribuiu o contingenciamento ao teto de gastos.

A celebração do ministro durou pouco. Sete dias depois o MEC retirou outros R$ 220 milhões das universidades federais, como denunciou a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes).
A Emenda Constitucional (EC) nº 95 de 2016, conhecida como teto de gastos, é uma regra em vigor desde 2017, que impossibilita a maior parte das despesas públicas de crescer acima da inflação oficial, inviabilizando novos investimentos.
O montante determinado pela Lei Orçamentária Anual (LOA) para a UFF nos últimos 20 anos demonstra valorização expressiva durante os anos de vigência do Reuni (2009 a 2012). Após o fim do programa, os repasses mantiveram-se estagnados, assim como o número de matrículas. A pandemia de Covid-19 provocou a primeira grande queda no orçamento da instituição desde a implementação do teto. Em 2022, os valores voltaram abaixo da média.

A verba descrita na LOA não necessariamente precisa ser cumprida. Nos últimos quatro anos, por exemplo, readequações para manutenção do teto provocam bloqueio orçamentários à instituição.
- Em 3 de junho de 2022, o governo federal anunciou um corte de R$ 27 milhões no Orçamento previsto na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) para a UFF;
- Em 2021, o MEC bloqueou R$ 1,55 bilhão da Educação, dos quais R$ 13,1 milhões pertenciam a UFF. Além disso, o orçamento foi 16,5% menor que o de 2020;
- No orçamento discricionário para 2020, a universidade perdeu o montante de R$ 8,1 milhões, comparado ao ano anterior;
- Em 2019, o MEC cortou verbas da UnB, UFBA e UFF em 30%, representando R$ 52 milhões a menos para a faculdade fluminense.
Segundo nota da reitoria, o bloqueio deste ano "compromete todas as atividades" e merece "profunda preocupação", mas a direção reitera que "continuará lutando" pela recomposição do orçamento. A UFF custa R$ 16,7 milhões por mês, considerando despesas básicas, como água, energia elétrica, bolsas e contratos de prestação de serviços terceirizados.
Falta de investimento é visível nos corredores da Universidade (Luiza Fernandes)
A UFF é parte do todo. O Orçamento do MEC acompanha a redução desde a implementação da EC 95. Confira:

Desde 2015 a Educação pública perdeu 30% do Orçamento. Em 2021, o valor investido foi de R$90,29 bilhões, o que equivale a 2,78% dos gastos públicos, a menor taxa desde a década passada.
Coisas incríveis
Design da planta 3D do Novo IACS preserva as cores rosadas do antigo casarão (Reprodução)
Com previsão de entrega de 5 blocos em julho de 2022, a transferência dos cursos para o novo IACS traz esperança de melhoria nas notas dadas pelo Ministério da Educação aos cursos do instituto, por meio do Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior (Sinaes), que avalia os critérios: organização didático-pedagógica, corpo docente e tutorial e infraestrutura.
A professora e ex-coordenadora do curso de Jornalismo, Larissa Moraes destacou a importância das graduações receberem nota alta: "O Governo não dá dinheiro a mais para quem está ruim, pelo contrário, o curso pode até perder a autorização para funcionar. Nesse eixo de infraestrutura, com o novo IACS, a gente tem condição de tirar uma nota legal".
A avaliação mais recente do IACS foi feita durante a pandemia no modelo "remoto in loco", mas a diretora do instituto, Flávia Clemente, realizou um tour virtual pelo novo prédio com os avaliadores, que viram nele a solução para os problemas de infraestrutura, já que nos demais critérios a comunicação da UFF teve boa performance.
Já em março de 2015, durante a última avaliação presencial do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais), a instalação do IACS recebeu nota 2,7 (máximo de 5).
A reportagem teve acesso ao documento que classifica como "muito precários" os laboratórios especializados, as salas de aula, as salas para coordenação e a direção. Além disso, cita problemas de acessibilidade adequada para os portadores de deficiência nos andares superiores.

A conclusão das obras pela Prefeitura, no entanto, não é suficiente para a ida dos alunos ao novo instituto. Segundo Luga, do DCE, e Carla Baiense, coordenadora do curso de Jornalismo, ainda será necessário transferir todos os equipamentos do prédio antigo para que algumas aulas comecem.
"Em relação a equipamento, isso ainda vai levar algum tempo, porque salas de aula, carteiras, datashow, quadros, isso existe, já vai ser levado para lá para começar a funcionar em julho, agora, por exemplo, laboratório de rádio, laboratório de TV, isso vai levar algum tempo, porque requer uma infraestrutura que é diferenciada. Então os laboratórios daqui continuarão a funcionar, até que os de lá estejam completos. E a gente vai mantê-los aqui também, a gente vai ter duas estruturas", diz Baiense.
Ela cita ainda outras mudanças em relação ao prédio antigo, como secretaria unificada para todos os cursos, e garante: "Tem espaço para todo mundo". Ao observar o novo IACS, é possível ver salas já nomeadas, mas a coordenadora do curso de Jornalismo afirma que todas serão revistas, pois as placas foram instaladas de acordo com o projeto antigo. O DCE promete acompanhar a reorganização de salas de modo a garantir um espaço para o diretório acadêmico dos alunos.
Baiense acredita que a conclusão da obra vai sanar a frustração provocada pela falta de uma Casa para a Comunicação da UFF, citada no documento de 2008. Segundo ela, a integração dos alunos dos cursos ofertados é "fundamental" para fomentar a interdisciplinaridade.
"Como hoje a gente tem uma estrutura pequena, o revezamento de turnos é natural para que haja uma ocupação racional e regular do espaço. Quando a gente estiver no novo [prédio], vamos juntar pessoas de diferentes áreas do conhecimento para trabalharem juntas, o que é muito mais potente. Temos aqui ciência da informação, o pessoal de arquivo, da biblioteconomia, de artes, de produção cultural... Quantas coisas podemos fazer juntos e juntas?", reflete.
"Essa aproximação física proporciona esse encontro que a gente sente falta. Quando você tem gente de todos os tipos, não só de todos os cursos, de todos os tipos, gente que pensa a partir de um outro lugar, porque quando você olha a partir da arte para um objeto, vai ter uma perspectiva, quando você olha pela comunicação vai ser outra perspectiva, quando vocês olham juntos, o que vocês vão enxergar? Nossa, coisas incríveis", finaliza.

